A lidocaína é um anestésico local comumente encontrada em formulações tópicas como géis, cremes e pomadas e sprays. Para desenvolver esses produtos, os fornecedores disponibilizam a lidocaína tanto na forma de cloridrato, quanto na sua forma de base livre. E agora? Qual usar? Qual a diferença?
Compilamos para você alguns estudos científicos sobre o tema que vão esclarecer muitas de suas dúvidas com relação a lidocaína. Confira!
Diferença entre lidocaína base livre e cloridrato
A lidocaína na sua forma livre é um sólido estável, cristalino, com uma estrutura química composta por um grupo amida e uma amina terciária. Essas características estruturais conferem a esse insumo um comportamento lipossolúvel, com um pKa de 7,9 e condições ligeiramente básicas. Esses atributos auxiliam a lidocaína penetrar facilmente pela matriz lipídica da camada externa da pele.
Porém em termos farmacotécnicos temos um grande inconveniente com a lidocaína na sua forma de base livre: sua solubilidade em água é baixa, cerca de 0,004 g/mL (4 mg/mL). Transformar a molécula em um sal ajuda no aumento da solubilidade. Assim, o cloridrato de lidocaína possui uma solubilidade maior, de aproximadamente 0,68 g/mL.
Absorção percutânea
A absorção da lidocaína depende da dose total administrada, da via pela qual é administrada e do suprimento de sangue ao local. Semelhante a outros anestésicos locais, o mecanismo de ação da lidocaína para anestesia local ou regional é por bloqueio reversível do disparo do impulso das fibras nervosas. Quando aplicada topicamente, a lidocaína precisa permear através da pele para atuar como um anestésico. A camada externa da pele é composta por epitélio escamoso estratificado queratinizado que forma uma barreira de permeabilidade que mantém a água dentro e fora do corpo. Essa barreira é amplamente produzida por uma matriz lipídica que existe entre as células do endotélio escamoso estratificado. Os compostos polares e solúveis em água não conseguem penetrar nessa barreira, mas os compostos solúveis em lipídios, como a lidocaína, podem e, portanto, atingem áreas onde as fibras nervosas periféricas são encontradas. Dessa forma, as bases livres são lipofílicas e podem penetrar no estrato córneo por conta própria, ao passo que as formas de sal requerem sistemas de distribuição especiais para isso.
A absorção da lidocaína tópica também será afetada pela espessura e área de superfície do estrato córneo no local da aplicação, vascularidade local e duração da aplicação. Normalmente, a profundidade máxima de penetração da lidocaína quando aplicada topicamente é de 8 a 10 mm. A absorção é maior em locais de mucosa, como a boca.
Para comparar a ação anestésica da lidocaína na forma de cloridrato com a base livre, um estudo realizou testes de permeação cutânea em porcos da Índia, usando lidocaína a 20%. Foram feitas 3 distintas preparações: 1) cloridrato de lidocaína em água 2) lidocaína base em 65% de isopropanol, 25% glicerol e 10% água (veículo alcoólico) e, 3) lidocaína base em 75% dimetilacetamida e 25% água (solvente orgânico).
Tanto a lidocaína na forma de cloridrato como na forma de base livre possui absorção e ação anestésica. Mas os resultados mostram que a lidocaína na forma de base livre apresenta maior permeação do que na forma de cloridrato. Os pesquisadores explicam que isso ocorre devido ao caráter lipofílico do estrato córneo, através do qual substâncias mais lipossolúveis atravessam mais facilmente do que eletrólitos. E, quando compararam a lidocaína base manipulada em veículo alcoólico com solventes orgânicos, puderam observar que o uso de solvente, no caso a dimetilacetamida, resulta em maior penetração do anestésico pela pele.
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Cada paciente responde a ação anestésica de uma maneira
Há relatos de grande variabilidade individual na absorção e metabolismo da lidocaína. Um estudo comparou cinco preparações de lidocaína disponíveis comercialmente e seus níveis de absorção sistêmica quando aplicadas no rosto. Houve diferenças interindividuais significativas entre os níveis séricos de MEGX (subproduto da lidocaína) e lidocaína. Assim, embora os anestésicos tópicos sejam considerados seguros, alguns indivíduos tinham níveis de absorção imprevisivelmente altos que poderiam resultar em eventos adversos.
Afinal, deve-se manipular as formas farmacêuticas com a lidocaína cloridrato ou na forma de base?
Essa resposta será relativa a preparação pelo qual você desenvolverá. E você deve avaliar principalmente a concentração da lidocaína e o local de aplicação.
Lembre-se que ambos tipos de lidocaína tem permeação e efeito anestésico mas a forma de base livre apresenta maior permeação porém menor solubilidade. Ao contrário, a forma de cloridrato apesar de permear menos resultando um menor efeito analgésico, suas características tornam-a mais fácil de manipular em doses maiores, solubilizar e incorporar nas formulações.
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Bibliografia consultada:
Akerman B; et al. Penetration Enhancers and Other Factors Governing Percutaneous Local Anaesthesia with Lidocaine. Aeta pharmacol. et loxicol. 1979.
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Gudin J; Nalamachu S. Utility of lidocaine as a topical analgesic and improvements in patch delivery systems. Postgraduate Medicine, 2019
Mueller-Goymann CC; Frank SG. Interaction of lidocaine and lidocaine-HCl with the liquid crystal structure of topical preparations. International Journal of Pharmaceutics, 1986